The Daily, o jornal que não suja as mãos
by pase on Feb.02, 2011, under jornalismo
A tela dos tablets representa mais uma chance para a migração das notícias textuais para o ambiente digital, desta vez com os donos de jornais um pouco mais escaldados sobre como funcionam os negócios em novos caminhos. O The Daily, entre outros, representa uma tentativa de encontro do tradicional com o contemporâneo, mesmo que transformar um jornal em aplicativo precise de um bom polimento.
Antes de tudo, não é questão de esquecer o poder da web e outros caminhos. É a base de tudo, o bom e velho html e seus derivados permitem a imprensa livre e também sistemas pagos. Porém ainda mostram dificuldades para muitas empresas que desejam migrar sistemas com a confiança de ter o controle sobre como o material é consumido. Ok, o caminho antigo tem o clipping com xerox e os bots que fazem o serviço sujo automaticamente (a alegria do estagiário), mas as dificuldades de pular a cerca com apps ilegais e o sistema já consolidado (menos no Brasil com suas políticas) da iTunes Store favorecem as novas iniciativas. Falta alguém mostrar conteúdo diferente e que a pessoa tenha interesse em ver por ali.
Outras publicações já trilharam este caminho. Algumas conseguiram relativo sucesso, como a edição da Wired americana e a inglesa Retro Gamer, para ficar apenas em dois casos. O leitor de ambas pode abandonar o papel sem medo, encontra quase todo o conteúdo ali dentro e, no caso da Wired conta com alguns extras. Porém estas revistas trabalham com pacotes fechados mandados para o iPad. No caso da Wired, algumas edições “pesam” 600 megas, um tamanho volumoso reduzido para cerca de 200 atualmente. Mesmo com as conexões atuais, ainda é tamanho.
Aqui está a primeira malandragem do The Daily. Ele sabe mesclar conteúdo off-line e online de uma forma que o leitor não percebe. O esqueleto das matérias é carregado como um pacote, mas vídeos e outros recursos aparecem de acordo com a demanda. O vídeo principal comentando a capa, por exemplo, abriu pixelizado algumas vezes.
O pacote todo é muito interessante, porém a própria Wired mesmo já usou fotos 360 e vídeos em histórias que este recurso enriquece a compreensão do fato. O conteúdo por si só sabe dar a uma publicação diária alguns retoques de revista, com matérias de análise e um caderno de moda que lembra o visto nos jornais do nosso final de semana. Mas o DNA da Fox aparece, sobretudo no editorial. Por um breve momento achei que iria ver a bandeira com o Don´t Tread on Me.
Algumas matérias com muito destaque, como o texto sobre a gravidez da atriz Natalie Portman apresentam um texto que teria uma página de jornal tradicional e duas fotos, pouco para um destaque. Em alguns momentos, sobra interatividade e falta em outros. Apesar que isso pode ser justificado, o jornal concentra seu fogo na questão do Egito e no SuperBowl, assuntos em alta. Aliás, a cobertura da final do futebol americano é tão interessante que lembra cadernos e revistas especiais.
O Daily tem muitas coisas tradicionais, como uma clássica página de tempo e horóscopo, mas também sabe ir pela moda em outras. Os reviews de cinema, por exemplo, usam a cotação do Rotten Tomatoes, site conhecido por reunir múltiplas opiniões e ser um bom termômetro antes de ver um filme. Além disso, há uma seção com reviews de aplicativos, uma sintonia com o tempo do produto maior.
Apesar da estrutura em carrossel, com as matérias dispostas ao lado e girando para facilitar o shuffle das não-lidas – excelente sacada – a estrutura vinda da Adobe usada na Wired colocando cada matéria ao lado da outra ainda consegue mostrar melhor o todo que o pacote de informação, analogicamente conhecido como edição, tem para mostrar. Apesar disso, a interface de controle do Daily facilita muito a leitura, mesmo que seja preciso voltar ao carrossel para acessar na maioria das vezes.
Mas o iPad – e os outros tablets – não são apenas telas com material produzido, ligado via In Design e colocados na rede, mas aplicativos de conteúdo. Aqui está talvez uma das coisas mais interessantes do Daily, mas também seu calcanhar de Aquiles.
O modo como o Twitter, enquetes e comentários foram incorporados nas matérias é interessante, aparece sem parecer um plugin embedado sem sintonia. Até mesmo quando precisa ir para a web, vai sob a forma de janela fechada. É possível comentar em áudio sobre o conteúdo, mas isto não pareceu ser específico para as matérias, certamente item de refino no futuro.
A integração com Facebook, Twitter e e-mail é interessante. Apesar de ter falhado na primeira vez que compartilhei uma matéria, depois o link foi para o Twitter. Outra malandragem do Daily é liberar parte do conteúdo na web, mas para conseguir o link é preciso que alguém compartilhe de dentro da publicação antes. Pode ser uma boa tática para que outros vejam o conteúdo e depois busquem a assinatura.
Como comentei no Twitter, estava curioso para ver as telas com os dados das ligas de basquete e hockey, em atividade na regular season atualmente. Infelizmente, mesmo depois de fechar o aplicativo 2 vezes, a tela não abriu e ainda deixou brechas para telas sem sentido. Números no esporte fazem parte da cultura do leitor americano, basta lembrar que alguns jornais publicam páginas com dados para fantasy games, e ligas como a NBA praticamente eliminam a concorrência em apps repletos de estatísticas, com placares e transmissões ao vivo, além de conteúdos exclusivos. O Daily tem chão para percorrer aqui.
A mesma coisa observei no Sudoku. Apertei a opção para completar automaticamente e o jogo fechou e trancou. Mesmo as diversões de jornal podem ser preenchidas com lápis e apagadas para que outro brinque depois. O Daily poderia ser um pouco malandro aqui.
A publicidade também começa a ir além do conceito “peça gráfica bonita e um vídeo”. A página da Virgin é praticamente um aplicativo, com opções para ver as diferentes vantagens dos vôos e depois sim ir para a compra. A Land Rover e muitos programas de TV apostam nesse formato na primeira edição.
Falando em dinheiro, o preço da publicação talvez seja um dos principais destaques. A assinatura semanal custa US$ 0,99 e a anual 39,99, um preço que parece baixo e em sintonia com as revistas que normalmente cobram US$ 3,99 por edição mensal, mas que pode sair bem em conta em virtude das atualizações diárias. A estratégia do preço baixo adotada por um gigante da mídia ao entrar em um mercado novo é clássica, sinal de quem chegou e já marca território, resta ver se o conteúdo vai compensar.
Ainda há o que fazer, é um produto vindo da junção de um Godfather da tecnologia com outro da comunicação, mas pode sinalizar o caminho de outros. Não é questão de matar a web, mas abrir mais espaço para comunicar. Infelizmente isso ainda passa por ferramentas caras como o pacote da Adobe ou o aprendizado de programação, seja no iOS ou Android, mas é interessante ver os grandes indo para este lado. Se os grandes vão, outros também podem ir.